quinta-feira, 23 de agosto de 2018

Conto.

Olá! Ele e ela se conheciam há algum tempo; e eram, no máximo, simpáticos um ao outro. Ele e ela, trinta e poucos anos. Ele era metaleiro fundamentalista; ela gostava de música. Um começou a olhar para o outro, e os dois começaram a se olhar. Até dividirem uma tigela de açaí, e, por estas coincidências que a gente não explica, a rádio que tocava naquele quiosque tocou "Açaí", Djavan. Era um lugar tranquilo, em uma ruazinha paralela à Vergueiro, perto da Estação Ana Rosa, em São Paulo; uma microempresa individual, de um ex-gerente bancário PJ que teve de escolher: ou entrava no modo Dorival Caymmi ou teria um infarto ou um AVC, com chances mínimas de sobrevivência; viajou para Pernambuco gerente de banco e voltou MEI, sem pressa, estilo "Tarde em Itapoã na Capital Paulista". E, talvez por esta amplidão, teve sensibilidade para perceber "açaí e Açaí, outra tigela pra eles, no modo 'Vasco da Gama'. E, quase sem querer, responderam àquele instante com aquele momento em que os dois alinham olhares e corações; e ambos fixam um ponto no futuro e decidem até ele caminhar: isto, casamento. "Respeitem a faixa e os semáforos", disse Beto do Açaí, em tom de quase um irmão mais velho. Terminado o dia, assim que chegou em casa, Beto apertou o play em "Chega de Saudade" em seu empoeirado home theater, assim que chegou em casa. E olhou para a garrafa de Logan. E sorriu para a garrafa; ele tomou duas doses, uma delas ao som de "Wave", Tom Jobim. E desceu tranquilamente as escadas do prédio onde morava; havia moradores de rua na frente do prédio; e ele se dirigiu a eles: "Eu tenho uns presentinhos pra vocês, vou subir pra pegar e trazer". Subiu de elevador, e colocou os Logans, e tudo o mais que tinha em seu bar, em uma caixa, e deu pra eles. Agradeceram, e um deles se despediu com um "Prossiga a caminhada". Beto respondeu: "Ando devagar porque já tive pressa, e levo este sorriso porque já chorei demais", e seguiram seus caminhos. Ao subir de elevador, a Rádio Elevada tocou “Espelhos D’Água”, Patrícia Marx, e emendou “Ainda é Cedo”, da Legião Urbana. Beto se olhou no espelho e chorou. Ligou para a esposa (estavam separados), e no dia seguinte conseguiu um Passat TS relíquia, verde, e emprestado (adesivado “Motorhead” no para-brisa, rs, e equipado com um som respeitável), que ele parou em frente à casa onde ela voltara a morar com os pais, na Vila Mariana, e tocou, em um volume civilizado, “Esperando na Janela”, Gilberto Gil, e “Esperando na Janela”, Rionegro e Solimões - duas vezes porque ela iria mesmo fazer ele esperar, rs - e Cogumelo Plutão, “Espera na Janela”, e "Dona Maria", Tiago Brava. E pela primeira vez ele silenciou o som para ouvir o que ela dizia pelos alto-falantes: “Still Love You”, Die Happy. É, homem chora, rs. E ela veio. E disse: "Toca Raul", rs, e ele, pelo Bluetooth do celular, tocou "Tu És o MDC da Minha Vida". Ela chamou de "Realiança" a viagem que fizeram em uma Land Rover Defender 90 Tdi até os espelhos d’água de Manaus (enquanto o irmão dele cuidava do lojinha, rs), e da qual voltaram com muitos açaís e a ideia de construir espelhos de água no Beto do Açaí. E ele e a esposa concluíram os espelhos e a Realiança.

E lembra dele e dela? Ele, bacharel em Química e ela, nutricionista. Estavam sentados à beira dos espelhos de água do Beto do Açaí ouvindo “Enter Sandman”, Motorhead, e conversando. Beto, sempre que eles iam ao Açaí, parava tudo e ia pro Youtube montar uma trilha sonora pra eles. E o Beto do Açaí era agora um dos melhores sons ambientes de São Paulo. Ela havia cedido e começou a escutar metal;... porém só conseguia gostar de uma ou de outra música, e até compreendia algumas premissas do metal enquanto movimento; porém não dava pra concordar com o pacote fechado de ideias. E ele era metaleiro fundamentalista, e pronto. Tanto era, que começaram a haver muitas tensões entre ele e os amigos, pra quem tudo começava e terminava em Motorhead e Metallica. "Será que cheguei ao ponto de ter de escolher entre ela ou eles? - pensou - Talvez não seja razoável sequer para adolescentes, quanto mais para a gente que já entortou os 30 (!). Em todo caso, Tom Jobim, 'Vai Levando'" Àqueles dias, haveria um show da Liga Metálica, uma banda emergente no cenário metálico de São Paulo. E os amigos dele o proibiram de ir ao show com eles (isso mesmo): um deles pegou um pen-drive dele emprestado, e tinha uma playlist com alguns clássicos do metal e do rock, Legião Urbana, um som da Feist, e altmetal (Die Happy): fora do Círculo Metaleiro Fundamentalista e dentro do Círculo Vedado ao Fundamentalista Metaleiro. Ele, ao ser questionado, disse: "Sim, é meu e eu ouço estas músicas". "Então, decidimos que você não irá ao show do Liga Metálica e, se você for, a gente vai te pegar e te bater". Ele concordou e se afastou deles. Adolescentes? Não, tinha gente de bem mais de 30, alguns inclusive casados e, digamos, pais de família. E, no dia do show, ela decidiu convidá-lo para ir com ele. E ele explicou a situação, e disse que não iria porque iriam bater nele. Ele asseverou: "Até os entendo, porém, neste momento, quero distância; e, se há amigos, uma emergência pode reaproximar e a partir daí se restaurar a amizade: questão de tempo; "Goodbye", Die Happy. "1234, da Feist, é uma das músicas que eu mais gosto". E ele: "Isto explica porque eu tinha ela em meu pen-drive, rs. Talvez eu esteja transformando meu coração e sabendo quem sou", disse ele. E ela sorriu. E foram ao Corujão do Beto do Açaí: à noite era o irmão dele quem trabalhava. E onde eles decidiram que seria o noivado? Beto do Açaí e Esposa, que abriu uma lojinha de presentes ao lado: “Presentes de Paz e de Reconciliação”. Legião Urbana e Die Happy. Um dia, ele estava olhando para a aliança de noivado deles: uma fita de Mobius. "A gente tem diferenças; temos cada um seu espaço, porém estamos sempre perto". "Esclareça", disse ela. "Há um plano de duas dimensões, largura e profundidade. Este plano tem duas faces. Aplica-se uma torção de 180 graus e une-se as duas extremidades, na dimensão da profundidade, o que faz com que haja uma circunferência, ou uma elipse, ou algo assim. Tanto a dimensão interna quanto a externa da circunferência ou semelhante passam a ser acessíveis em uma trajetória circular, de modo que se houver qualquer coisa se movimentando por um dos planos, sendo cada trajetória em uma borda da fita, jamais irá colidir com aquilo que se movimentar pelo outro plano". Ela sorriu. E ele disse: "Talvez seja uma explicação alternativa à dualidade onda-partícula em termos de Atomística". Ela balançou a cabeça e sorriu: "Você sabe que eu entendo de Física e Química tanto quanto você de Nutrição", rs. "É, os movimentos dos elétrons em seus orbitais talvez pudessem ser explicados pelo modelo da fita de Mobius e das pistas de autorama, sendo a torção da fita o ponto de liberação e absorção de energia relativa aos quanta, e o arco-íris explicaria a trajetória do elétron nos saltos entre os níveis de energia, sendo o ponto em que, se um elétron saltou daquela camada, a carga positiva do núcleo do átomo atraia o elétron que saltou da outra, e ele entre naquele orbital por ali, assumindo um spin contrário...". "Vamos falar sobre um estudo que relaciona o açaí...", disse ela, rindo. Ele riu também. Enquanto olhavam a vitrine da Mônica Presentes de Casamento (é a Esposa de Beto), ela disse: “Sabe qual salto quântico que me interessa agora? É o desta aliança: de sua mão direita para a sua mão esquerda". Ele sorriu. E, depois, ele alterou o modelo da tentativa de descrição da trajetória do elétron de uma para duas torções na fita. “Acho que pode ser que comece a tentar explicar quanto ao átomo de hélio. E nem ele acreditava que podia ser que tinha fundamento. Ela sim. Perguntou a respeito para um amigo pós-doutorado, embora em outro ramo da Química: “devem tentar”. “Você iria comigo às Índias pela rota de Colombo?” perguntou ele. “Na pior das hipóteses, talvez encontremos as Américas...” E partiram para as Índias pela rota de Vasco da Gama, rs, presente de Beto do Açaí e Mônica. Aquelas duas almas não eram pequenas, e era preciso ir aos mares. E o mar, quando quebra na praia...” Um abraço!