quarta-feira, 27 de junho de 2012

"No meio do caminho..." tinha uma pedra.

Olá! Adolescentes e crianças, por favor: parem a leitura deste texto por aqui. O texto expressa conflitos profundos entre dois personagens, pai e filho: há aquilo que primeiro se deva entender para que depois se possa entender conflitos como os de que trata o texto. Se for o caso, por favor, pare a leitura por aqui: tudo no Mais Elevado Espírito. Último ponto para parar a leitura por aqui.


-Fala pra mim: em que mundo você vive? Fala pra mim!
Antes que o filho começasse a tentar responder, o pai emendou:
-499 reais! Quatrocentos e noventa e nove reais (separando claramente as palavras e dando tapas na mesa, e levantando-se da cadeira a seguir) que NÃO PRECISARIAM TER SIDO GASTOS!
-Você sabe? Você sabe o quanto eu tenho de trabalhar para ganhar este valor? (Sentando-se novamente e tirando uma caneta do bolso, fez rapidamente um cálculo no primeiro papel que viu à frente) Aqui: um dia e meio! Um dia e meio jogados fora pela tua desatenção!
-Mas pai, eu não vi...
-Uma pedra daquele tamanho no meio da rua, e você não viu... Não viu, e ainda passou com o pneu do carro por cima da pedra.
-Mas, pai, eu... tava a 40 por hora, mantive a direção e parei o carro (disse, assustado, o filho).
-A questão não é esta: desatenção (disse o pai, separando as sílabas de "de-sa-ten-ção"), e 499 reais que não precisariam ter sido gastos. Olha aqui: você teria este dinheiro se fosse para você pagar?
Não... (respondeu o filho, enquanto se afastava do pai). Mas eu pego emprestado com a minha mãe.
-E vai pagar à sua mãe como? Pegando emprestado comigo, por um acaso, para pagar a ela?
-Quando as coisas derem certo comigo, eu pago...
-Ah, "quando as coisas derem certo"... Fala pra mim: em que mundo você vive? Acorda, e vai procurar um emprego!
-Mas pai, eu trabalho...
-E o que você faz? O que você faz é voluntariado, não é trabalho.
-O fato é que eu tenho de estar lá, pai (disse o filho, tentando encontrar convicção).
-Pois arrume outra pessoa para estar lá, e você vai trabalhar.
-Mas... pai, um dos motivos de eu ter deixado o meu trabalho é que eu tinha de estar lá, pai (disse o filho, com descontentamento).
-Já vi que não tem conversa (disse o pai). Faz o seguinte: eu vou trocar este pneu porque eu preciso viajar amanhã cedo; amanhã cedo eu saio para viajar. E você, para procurar um emprego: do contrário, as fechaduras de casa vão ter sido trocadas quando eu tiver chegado. Dizendo isto, pegou as chaves e os documentos do carro, e saiu. O filho, sem palavras, sairia minutos depois do pai.
O pai, dirigindo agressivamente, levou o carro à oficina especializada em pneus, de um antigo conhecido. E, lá chegando, foi recebido com um sorriso, ao qual imediatamente o conhecido (não se viam há um bom tempo) emendou: "Não, não precisa me dizer nada"
-Pois é (disse o pai): as coisas não vão bem mesmo. Você já percebeu.
-Seja o que for, esquece isto um pouco (disse o velho conhecido): deixa o carro aí e vamos tomar um café.
-Precisa trocar o pneu dianteiro esquerdo (disse o pai ao amigo): da mesma marca e do mesmo modelo, 499 reais, vi no seu anúncio. Você me parcela isto?
-Claro. Vamos tomar um café (disse o amigo, deixando a ordem de serviços com o responsável). E foram os dois falar da vida que se leva.
-Me separei da minha esposa, tou com um monte de problemas por fora, e se não bastasse isto, O diretor-executivo ainda chamou todo mundo e disse que estão insatisfeitos com os resultados, e que vão trocar a equipe inteira se isso não mudar; e, quando pedi a palavra para dizer o quanto e como tinha sido difícil conseguir estes resultados nestas condições, ele olhou para mim, só disse: "a equipe inteira", virou as costas e saiu. O dinheiro não tá dando, e apertam ainda mais o que já está começando a necrosar de tanto que apertam... Você sabe...
-Sim, eu sei (disse o amigo).
Enquanto isto, o filho caminhava pelas ruas sem saber ao certo onde ir, uma vez que aquelas atitudes e palavras do pai realmente o deixaram desorientado. Sentindo muito tudo aquilo, e atormentado pela dúvida acerca do que até há pouco era tão certo, pensou, ao esperar para atravessar aquela via movimentada e de tráfego insano: "Fechar os olhos e não chegar do outro lado".
Chegou a fechar os olhos, porém refletiu sobre o efeito que "não chegar do outro lado" teria sobre pessoas as quais gostavam dele, e mesmo sobre pessoas para as quais ele era importante e nem sabia. Decidiu esperar pelo sinal verde, e assim, chegou ao outro lado da rua. E, dali, foi para uma praça a qual ficava a alguns quarteirões do ponto onde estava. "Fala pra mim: em que mundo você vive?" permanecia ainda sem resposta. Pensou-se inadaptado à vida, inapto ao "mundo real", e coisas do tipo. Porém, percebeu um sentido em sua existência, o qual vinha das pessoas. Sentou-se no
banco da praça e fez uma silenciosa oração, na qual disse tudo.
Na oficina especializada em pneus, o responsável entregava o serviço concluído. O amigo pegou o pneu que fora retirado, e observando-o, perguntou ao pai: "Você vai viajar para onde amanhã cedo?"
-Vou para Santanápolis do Sul.
-É perto, mas você sabe que é uma estrada de grandes buracos. Vai com cuidado (disse o amigo). Entregando o pneu ao pai, falou: "Agradece. Calcule a probabilidade de uma bolha destas aqui estourar quando se passa por um buraco igual aos da estrada de Santanápolis do Sul: você sabe, a pressão tende a sair por onde ela encontra menor resistência.
-Com licença, preciso fumar um cigarro (disse o pai, abaixando a cabeça e virando-se em direção
à porta da oficina. Encontrou não muito longe dali um lugar, sentando-se no meio-fio. cotovelos apoiados nas pernas  e colocando as mãos entre os cabelos). Enquanto acendia o segundo cigarro com a brasa do primeiro, passou por ali um carro tocando uma música da qual se ouvia os versos "Desculpe, estou um pouco atrasado; mas espero que ainda dê tempo de dizer que andei errado, e eu entendo". Foram mais seis cigarros de reflexões profundas: nem ele mesmo se lembrava da última vez em que havia chorado. Pegou o telefone celular e tentou ligar para o celular do filho. O filho não atendeu. Resolveu então enviar uma mensagem de texto: "Fui homem para fazer o que eu queria, do jeito que eu queria. Sou pai, tenho este dever: preciso te dizer que errei, e que aprendi, e também te ensinar o que aprendi". à mensagem, o filho respondeu com outra mensagem: "Em meia hora estou em casa". O pai, retornando à oficina, pegou o carro e disse ao amigo que passava depois para acertar, ao que o amigo respondeu: "sem pressa". Em vinte minutos, o pai estava em casa. E, quando o filho abriu a porta, imediatamente disse o pai: "Errei". O filho o abraçou, e choraram juntos. E o pai começou a falar de seus erros. Disse: "Não era ela a errada, hoje eu sei. Pra falar a verdade, não é de hoje que eu sei. Um dos motivos da nossa separação, talvez o principal, foi justamente este: o lugar para onde meu dinheiro ia. Eu considerava que eu bancava a casa, e era homem: logo pensava não dever satisfação nenhuma à sua mãe. Realmente, para lá vai boa parte do meu dinheiro. Você nunca soube, mas faz um bom tempo que é assim. Ao menos até aqui foi assim". O filho ouviu em silêncio, e disse: "Ela não está com ninguém". O pai completou: "A vi por estes dias. Está muito mais bonita do que quando estava comigo. Era eu, e não ela: faz este favor pra mim: conta pra ela o que você me viu fazer". "Tá bom", disse o filho. E começaram a falar da vida que se leva. "Amanhã vou chegar um pouco atrasado ao evento em Santanópolis do Sul: vai estar todo mundo da empresa lá, eu aproveito para anunciar discretamente a minha demissão. Quem faz o que eu faço e como eu faço, filho, não fica parado. Se nem conversam comigo, por que empregar meu melhor por eles? Me perdoa, filho, pelo mundo no qual eu vivia. Pelo menos por uns dois dias, eu quero conhecer o mundo em que você vive. Quem sabe a gente não consegue profissionalizar a gestão sem a perda do caráter da iniciativa? Fala pra mim: será que um dia a gente consegue que não haja mais?". Um abraço!